Durante anos Leôncio conviveu com aquela imensa juba dourada. Cabelos
lisos, sedosos e brilhantes para inveja do amigo porco espinho que
visitava o cabeleireiro semanalmente na tentativa de diminuir o topete
espetado. Já ele, nunca havia pisado em um salão. Não precisava de
tonalizante, era loiro por natureza. E nunca havia visto uma tesoura
antes na sua frente, até o dia que assistiu a um jogo de futebol pela
televisão e se deparou com um jogador de juba engraçada. “Estilo
moicano, última moda no reino humano”, explicou a Gazela, vaidosa que só
ela. Por dias ficou namorando sua juba pelo espelho. Estava cansado
daquele cabelo comprido e das pontas quebradiças, e o topete daquele
jogador não saía da sua cabeça. “Quando tem jogo de novo?”. Alguém
aconselhou, “Não precisa esperar. Vá até o limite da floresta, e observe
na cidade as crianças chegando para a escola”. E assim fez. De trás de
uma árvore, ficou escondido vendo ‘meninos moicaninhos’, com mochilas
recheadas de caneleiras e chuteiras, passarem para lá e para cá. “Não
posso ficar fora dessa moda”. Marcou hora no salão do Macaco Biaggi, e
por coincidência, no mesmo horário que Gina Girafa, colunista social do
maior jornal do reino, fazia suas patas. Bastou um telefonema dela, para
que os Sagüis Paparazzis chegassem e disputassem a pulos os melhores
lugares para a foto do ano: “O cabelo moicano do Rei Leão”. Lá dentro,
muitas tesouradas e era uma vez uma juba. O amigo Espinhoso acompanhou e
se identificou com o corte. “Está parecido com um porco espinho ou eu é
que estou parecido com um leão?” Avisou Macaco Biaggi que nunca mais
alisaria os cabelos. Leôncio olhou para o espelho, para a juba no chão e
aprovou o novo look. Sentiu-se mais leve, mais disposto e até atlético.
Saiu do salão sob chuva de flashes, e na primeira entrevista
pós-moicano, avisou que aguardava ansioso a convocação para a Seleção
Felina de Futebol.
Bem-vindo
Qual o sabor do conto que você gostaria de ler?
sexta-feira, 20 de abril de 2012
Onde mora a tartaruga?
- Passa lá em casa qualquer dia desses para tomar uma xícara de café.
Falou a tartaruga para o coelho no banho de sol no jardim.
- Quanta gentileza, passo sim, qual o endereço?
- Não tenho endereço fixo. Hoje é aqui, amanhã acolá.
O coelho coçou as orelhas e com uma das patas acarinhou a tartaruga.
- Coitadinha, não tem teto. Mora na rua?
- Tenho teto sim, e bem seguro por sinal. Nele não tem goteira e quentinho assim, eu nunca vi igual.
O coelho deu risada e metido a sabichão, achou que tinha matado a charada.
- Já sei. Então você é rica e está a caçoar de mim. Tem casa na praia, no campo, e em tudo que é jardim.
- Está enganado, meu amigo coelho. Minha casa é uma só. E faço um esforço danado para carregá-la, andando de sol a sol.
Não satisfeito, o coelho quis tirar a prova, e aceitou o café oferecido para a mesma hora.
- Então aceito hoje o seu convite para o café. Vamos para a sua casa, onde é?
- Está vendo aquela árvore? É bem debaixo dela que logo estarei morando. Daqui duas horas pule até lá. É o tempo que demoro para chegar andando.
Passou o tempo e lá estavam, e por muito pouco não brigaram.
- Nenhuma casa tem aqui. Vejo somente uma árvore. Você é tartaruga ou um sagüi?
- Sou tartaruga e tenho casa própria. Bata no meu casco, e eu te abro a porta.
Falou a tartaruga para o coelho no banho de sol no jardim.
- Quanta gentileza, passo sim, qual o endereço?
- Não tenho endereço fixo. Hoje é aqui, amanhã acolá.
O coelho coçou as orelhas e com uma das patas acarinhou a tartaruga.
- Coitadinha, não tem teto. Mora na rua?
- Tenho teto sim, e bem seguro por sinal. Nele não tem goteira e quentinho assim, eu nunca vi igual.
O coelho deu risada e metido a sabichão, achou que tinha matado a charada.
- Já sei. Então você é rica e está a caçoar de mim. Tem casa na praia, no campo, e em tudo que é jardim.
- Está enganado, meu amigo coelho. Minha casa é uma só. E faço um esforço danado para carregá-la, andando de sol a sol.
Não satisfeito, o coelho quis tirar a prova, e aceitou o café oferecido para a mesma hora.
- Então aceito hoje o seu convite para o café. Vamos para a sua casa, onde é?
- Está vendo aquela árvore? É bem debaixo dela que logo estarei morando. Daqui duas horas pule até lá. É o tempo que demoro para chegar andando.
Passou o tempo e lá estavam, e por muito pouco não brigaram.
- Nenhuma casa tem aqui. Vejo somente uma árvore. Você é tartaruga ou um sagüi?
- Sou tartaruga e tenho casa própria. Bata no meu casco, e eu te abro a porta.
Guardião de estrelas
Ficava por horas apoiado na janela do quarto antes de dormir. Não
contava carneirinhos, contava estrelas. Uma a uma, com o dedo apontado,
até onde a olho nu pudesse alcançar. Eram seis mil no total, mas
contrariando a superstição, não tinha seis mil verrugas no dedo. Em
noites nubladas, usava o telescópio, presente mais que aguardado que
ganhara no Natal, e então a conta ultrapassava trinta mil os pontinhos
brilhantes no céu. Não precisa dizer que existia um sonho de quando
crescer virar astrônomo, e quando isso acontecesse descobriria enfim
quantas estrelas, ao total, brilhavam no universo. Enquanto isso se
auto-denominava “o guardião das estrelas” e só se deitava na cama quando
tinha a certeza de que todas elas estavam lá, a postos no alto,
vigiando seu sono. Em uma certa noite, uma surpresa. Contou três vezes,
com e sem telescópio, e constatou que dez estrelas faltavam no seu
pedaço de céu. Era uma noite de poucas nuvens. Estaria alguém roubando
as estrelas? A mãe, na tentativa de tranquilizá-lo, disse que poderia
ser um engano, um simples erro de conta, mas ele sabia que alguma coisa
não brilhava bem – era um experiente contador de estrelas e não erraria
por três vezes. Na noite seguinte, lá estava a postos, mais concentrado
do que nunca, para dar início à contagem. E o saldo desastroso: vinte
estrelas a menos. Decidiu passar a noite de guarda, para pegar no flagra
o ladrão que invadira sua galáxia. Não pregou o olho um segundo, nenhum
ladrão apareceu, mas na sua frente mais cinco estrelas desapareceram.
Foi então que percebeu que muitas piscavam rápido, sem parar; outras
mais lentamente. Estrelas morriam sob seus olhos e era preciso fazer
alguma coisa. Pegou a escada mais alta, e com uma caixa de lâmpadas
debaixo do braço, saiu para resolver o problema – um curto-circuito no
seu céu-quintal.
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