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sexta-feira, 20 de abril de 2012

O corte do cabelo do leão

Durante anos Leôncio conviveu com aquela imensa juba dourada. Cabelos lisos, sedosos e brilhantes para inveja do amigo porco espinho que visitava o cabeleireiro semanalmente na tentativa de diminuir o topete espetado. Já ele, nunca havia pisado em um salão. Não precisava de tonalizante, era loiro por natureza. E nunca havia visto uma tesoura antes na sua frente, até o dia que assistiu a um jogo de futebol pela televisão e se deparou com um jogador de juba engraçada. “Estilo moicano, última moda no reino humano”, explicou a Gazela, vaidosa que só ela. Por dias ficou namorando sua juba pelo espelho. Estava cansado daquele cabelo comprido e das pontas quebradiças, e o topete daquele jogador não saía da sua cabeça. “Quando tem jogo de novo?”. Alguém aconselhou, “Não precisa esperar. Vá até o limite da floresta, e observe na cidade as crianças chegando para a escola”. E assim fez. De trás de uma árvore, ficou escondido vendo ‘meninos moicaninhos’, com mochilas recheadas de caneleiras e chuteiras, passarem para lá e para cá. “Não posso ficar fora dessa moda”. Marcou hora no salão do Macaco Biaggi, e por coincidência, no mesmo horário que Gina Girafa, colunista social do maior jornal do reino, fazia suas patas. Bastou um telefonema dela, para que os Sagüis Paparazzis chegassem e disputassem a pulos os melhores lugares para a foto do ano: “O cabelo moicano do Rei Leão”. Lá dentro, muitas tesouradas e era uma vez uma juba. O amigo Espinhoso acompanhou e se identificou com o corte. “Está parecido com um porco espinho ou eu é que estou parecido com um leão?” Avisou Macaco Biaggi que nunca mais alisaria os cabelos. Leôncio olhou para o espelho, para a juba no chão e aprovou o novo look. Sentiu-se mais leve, mais disposto e até atlético. Saiu do salão sob chuva de flashes, e na primeira entrevista pós-moicano, avisou que aguardava ansioso a convocação para a Seleção Felina de Futebol.

Onde mora a tartaruga?

- Passa lá em casa qualquer dia desses para tomar uma xícara de café.
Falou a tartaruga para o coelho no banho de sol no jardim.
- Quanta gentileza, passo sim, qual o endereço?
- Não tenho endereço fixo. Hoje é aqui, amanhã acolá.
O coelho coçou as orelhas e com uma das patas acarinhou a tartaruga.
- Coitadinha, não tem teto. Mora na rua?
- Tenho teto sim, e bem seguro por sinal. Nele não tem goteira e quentinho assim, eu nunca vi igual.
O coelho deu risada e metido a sabichão, achou que tinha matado a charada.
- Já sei. Então você é rica e está a caçoar de mim. Tem casa na praia, no campo, e em tudo que é jardim.
- Está enganado, meu amigo coelho. Minha casa é uma só. E faço um esforço danado para carregá-la, andando de sol a sol.
Não satisfeito, o coelho quis tirar a prova, e aceitou o café oferecido para a mesma hora.
- Então aceito hoje o seu convite para o café. Vamos para a sua casa, onde é?
- Está vendo aquela árvore? É bem debaixo dela que logo estarei morando. Daqui duas horas pule até lá. É o tempo que demoro para chegar andando.
Passou o tempo e lá estavam, e por muito pouco não brigaram.
- Nenhuma casa tem aqui. Vejo somente uma árvore. Você é tartaruga ou um sagüi?
- Sou tartaruga e tenho casa própria. Bata no meu casco, e eu te abro a porta.

Guardião de estrelas

Ficava por horas apoiado na janela do quarto antes de dormir. Não contava carneirinhos, contava estrelas. Uma a uma, com o dedo apontado, até onde a olho nu pudesse alcançar. Eram seis mil no total, mas contrariando a superstição, não tinha seis mil verrugas no dedo. Em noites nubladas, usava o telescópio, presente mais que aguardado que ganhara no Natal, e então a conta ultrapassava trinta mil os pontinhos brilhantes no céu. Não precisa dizer que existia um sonho de quando crescer virar astrônomo, e quando isso acontecesse descobriria enfim quantas estrelas, ao total, brilhavam no universo. Enquanto isso se auto-denominava “o guardião das estrelas” e só se deitava na cama quando tinha a certeza de que todas elas estavam lá, a postos no alto, vigiando seu sono. Em uma certa noite, uma surpresa. Contou três vezes, com e sem telescópio, e constatou que dez estrelas faltavam no seu pedaço de céu. Era uma noite de poucas nuvens. Estaria alguém roubando as estrelas? A mãe, na tentativa de tranquilizá-lo, disse que poderia ser um engano, um simples erro de conta, mas ele sabia que alguma coisa não brilhava bem – era um experiente contador de estrelas e não erraria por três vezes. Na noite seguinte, lá estava a postos, mais concentrado do que nunca, para dar início à contagem. E o saldo desastroso: vinte estrelas a menos. Decidiu passar a noite de guarda, para pegar no flagra o ladrão que invadira sua galáxia. Não pregou o olho um segundo, nenhum ladrão apareceu, mas na sua frente mais cinco estrelas desapareceram. Foi então que percebeu que muitas piscavam rápido, sem parar; outras mais lentamente. Estrelas morriam sob seus olhos e era preciso fazer alguma coisa. Pegou a escada mais alta, e com uma caixa de lâmpadas debaixo do braço, saiu para resolver o problema – um curto-circuito no seu céu-quintal.